Família de soldado que morreu afogado em treinamento relata maus-tratos do Exército

Advogado quer saber onde estava instrutor no momento da atividade. Jovens não sabiam nadar, dizem familiares. Exército informou que 'a intensidade do treinamento é elevada gradualmente, respeitando a individualidade de cada indivíduo'.

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A família de Vitor da Costa Ferreira, um dos três soldados que morreram afogados em um treinamento do Exército em Barueri, na Grande São Paulo, disse nesta terça-feira (2) que o jovem relatava constantes maus-tratos por parte de seus superiores durante as atividades. O advogado quer saber onde estava o instrutor do grupo no momento do incidente e afirma que houve negligência.

No dia 24 de abril, por volta das 18h, Wesley dos Santos, de 18 anos, Jonhatan Cardoso, de 19 anos e Vitor, também de 18 anos, se afogaram e morreram em um lago durante um treinamento de localização na mata. O quartel do Grupo Bandeirante, onde o grupo treinava, foi criado em 1915 e é um dos mais antigos do Exército.

“Ele já tinha relatado episódios de violência dentro do quartel. Meu filho já correu com febre e era obrigado a dividir uma garrafa d’água de dois litros em 45 soldados”, contou Sandra da Costa Ferreira, mãe de Vitor, que servia o Exército havia dois meses.

“Ele recebeu um kit com roupas e uma camisa veio repetida. Ao relatar isso para o superior, levou um soco na boca do estômago. Disse também já ter sido chutado e que o caminhão que transportava os meninos para outro treinamento circulava a 120 km/h”, continuou.

Por meio de nota, o Exército informou que só vai se pronunciar após Inquérito Policial Militar, que tem prazo de 40 dias para ser concluído. O Exército destacou, no entanto, que o “treinamento militar pode causar desconforto físico e necessita de preparo técnico”. “A intensidade do treinamento é elevada gradualmente, respeitando a individualidade de cada indivíduo. No entanto, o treinamento militar não pode ser confundido com desrespeito à dignidade da pessoa humana. Eventuais casos de excesso são apurados no rigor da lei”.

O pai do rapaz, Nédio Militão de Russeno, acrescentou que Vitor relatava exercícios sob sol forte durante todo o dia e castigos quando atividades eram executadas com erro. Para o advogado que atende as três famílias, Ademar Gomes, trata-se de tortura. “São maus-tratos. Tortura, inclusive”, acredita.

‘Pavor do Exército’

A tia do jovem disse se preocupar com o filho de 12 anos, que está assustado. “A imagem que tenho hoje é de que o Exército é um lugar cruel, desestruturado. Pra mim, levaram meu sobrinho para um matadouro”, disse Júlia Ferreira. “Eu falo para o meu esposo que vou lutar para que meu filho não sirva. Ele está com pavor do Exército”, afirma.

O advogado Ademar Gomes afirma ainda que o Exército sequer prestou condolências pela morte de Vitor Costa Ferreira. “As famílias receberam apenas os corpos dos rapazes que foram servir a pátria, sem qualquer explicação ou mesmo os pêsames”, disse. “Ninguém os procurou, nem ofereceu qualquer assistência. O comportamento deixou a família muito constrangida”, continuou.

“Eles arcaram com enterro, mas não houve assistência psicológica. Aliás, nem antes. Não me ligaram em nenhum momento nem mesmo para avisar sobre o que tinha acontecido. Só soube três ou quatro horas depois porque fui atrás de informações”, disse Sandra. “Ele estava sob responsabilidade do Exército. Eu pensava que meu filho estava seguro e o entreguei, mas me devolveram uma bandeira [do Brasil]”, completou a mãe de Vitor.

Ausência de instrutor

Para o advogado, a principal dúvida é onde estava o instrutor do grupo no momento do acidente. “Eles atravessaram o lago a mando de quem? Sozinhos, mesmo sem saber nadar? Eles estavam ali para aprender e não tinha ninguém ali para auxiliá-los? Não estavam sendo vigiados?”, questiona Ademar Gomes. “Houve negligência, imprudência e imperícia do comandante. Agora, vamos esperar uma posição do Exército até o fim da semana para decidir se moveremos alguma ação contra o Estado”, explicou.

No total, 154 recrutas participariam do treinamento divididos em grupos de quatro soldados. Um dos integrantes do grupo em que três morreram conseguiu escapar da água e chamou socorro. Ele pode ajudar nas investigações sobre as causas do episódio, mas a família acredita que o rapaz é orientado sobre o que pode ou não tornar público.

Segundo o Exército, os militares já tinham recebido treinamento técnico para a atividade e faziam uma atividade de campo de localização com bússulas e mapas. Um inquérito foi instaurado para levantar as causas que levaram ao incidente.

'Pensava que meu filho estivesse seguro e o entreguei, mas me devolveram uma bandeira
Fonte: G1

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