Governo federal está desde 2014 sem comprar livros de literatura para escolas públicas

Última remessa de obras foi em 2014. Programa de compras foi extinto e alternativa está em elaboração de edital: se tudo der certo, nova entrega ocorre só a partir 2019.

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O Governo federal vai ficar ao menos quatro anos sem entregar novos livros de literatura para bibliotecas de escolas públicas brasileiras. A última remessa de livros feita pelo Ministério da Educação (MEC) para toda a rede ocorreu em 2014. A partir daquele ano o programa que garantia a compra e a entrega não foi mais executado. A alternativa proposta pelo governo federal só terá possibilidade de enviar novos livros a partir de 2019.

Entre os anos de 2000 e 2014 foram quase 230 milhões de exemplares, a um custo médio de R$ 3,80. Os livros foram distribuídos pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), que neste mesmo período investiu R$ 891 milhões em compras. O montante significou, em média, R$ 68,5 milhões por ano na renovação dos acervos para estudantes de todos os anos do ensino básico (infantil, fundamental e médio).

o MEC diz que uma alternativa para a extinção do PNBE está em andamento dentro da estrutura da pasta. A tramitação, que começou em julho, foi também o marco da extinção definitiva do PNBE, que até então estava apenas descontinuado.

O primeiro passo na elaboração de um substituto para o PNBE foi a edição do decreto nº 9099, de 18 de julho de 2017. A medida incorpora ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) a obrigação de “avaliação e disponibilização de obras literárias, além de acervos para bibliotecas, incluindo ações de qualificação de materiais para aquisição descentralizada pelos entes federativos”.

Como o edital ainda está em elaboração pela Secretaria de Educação Básica (SEB), o MEC não divulgou detalhes de quantos livros e qual o orçamento específico do novo PNLD será destinado para obras de literatura. Também não há informações se o orçamento específico será mantido ou mesmo se os estados serão responsáveis por bancar a “aquisição descentralizada”.

“O PNBE acabou tendo o destino de tantos outros programas governamentais de promoção do livro e da leitura, interrompidos sem qualquer explicação ou justificativa.” – Regina Zilberman, especialista em literatura e conselheira para o Movimento por um Brasil Literário.

O período recente sem que o PNBE fosse executado coincidiu com a aprovação da valorização da literatura nas diretrizes curriculares. A recém aprovada Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino fundamental incluiu “Educação Literária” e a “Leitura” como eixos da área de linguagens. O MEC nega qualquer prejuízo para o cumprimento da nova BNCC do ensino fundamental e “não há descontinuidade das ações do PNBE, que ficaram com o (novo) PNLD”.

‘Substituto’ apenas para 2019

O PNLD inclusive terá um novo nome: Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLMD). Os livros que serão entregues em 2018 já estão definidos e não incluem obras literárias. Caso o próximo edital em elaboração pela SEB já contemple as novas diretrizes, há possibilidade de que a literatura volte ao cardápio em 2019.

O fim do programa específico para a literatura levou até mesmo a escritora Ana Maria Machado, durante a Bienal do Livro no Rio, a cobrar o ministro da Educação Mendonça Filho em um dos seus discursos. “Eu, muitas vezes, me preocupo que, em um momento de contenção de despesas, a literatura vá perdendo esse espaço que foi conquistado pelo seu próprio mérito.”

A especialista Regina Zilberman concorda com a avaliação da autora. “Em um país de tantas desigualdades como é o nosso, a clivagem (separação) entre o leitor e livro só agudiza esses problemas, deixando as pessoas afastadas das possibilidades infinitas que a linguagem verbal propicia. (…) Esse prejuízo é muito maior do que não saber escrever corretamente ou desconhecer alguns figurões da literatura”, diz Regina.

Para Luís Antônio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), o PNBE foi uma conquista do setor e chegou a ser copiado fora do país. O fim do programa e a indefinição sobre como o novo PNLMD vai contemplar as obras literárias são vistos com preocupação.

Segundo Torelli, o setor não teve sinalização clara dos próximos passos e não foi consultado sobre o fim do PNBE e as alternativas. “Falou-se em livro direto para o aluno, o que também é muito bom. Mas não pode se abandonar a biblioteca pública. (…) Esse mesmo marasmo e descaso ocorre nos governos estaduais”, afirma o presidente da CBL.

A perspectiva de que novos livros só cheguem às bibliotecas a partir de 2019 aumenta as críticas do setor.

“É muito tempo sem renovar o acervo” – Luís Antônio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL).

De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, as bibliotecas escolares são a principal forma de acesso aos livros para 18% da população. A pesquisa mostrou que esses espaços são largamente aprovados por seus frequentadores, mas 41% deles diz não encontrar nelas todos os livros que procura. A pesquisa também mostrou que 56% da população brasileira é considerada leitora, sendo que entre os estudantes, a Bíblia foi citada por 31% dos entrevistados como o livro principal, mesmo percentual que a resposta “contos”, seguindo por “didáticos” com 28%.

Marco no investimento

A especialista Regina Zilberman lembra que o PNBE nasceu no final dos anos 1990 e afirma que ele foi o principal programa de literatura já executado no país. A comparação de Regina é com outros programas governamentais como o Sala de Leitura, dos anos 1980, e até mesmo privados, como o Ciranda dos Livros, da Fundação Roberto Marinho, em parceria com a Hoescht.

Os especialistas lembram que os programas são essenciais porque o livro, quando usado de fato, se desgasta e precisa de reposição. Além da manutenção dos títulos mais populares ou clássicos, os alunos perdem a chance de ter contato com novas obras produzidas recentemente.

“(…) autores e editoras novas ficam sem oportunidade de circular em meio ao público escolar, que constitui o maior mercado da literatura em nossos dias. Será fácil perceber, em uma biblioteca escolar, a falta dos novos nomes ” – Regina Zilberman.

Fonte: G1

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